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9 Problemas da nova geração de autores nacionais


Durante os mais de cinco anos em que eu faço parte da comunidade literária nacional, já me deparei com muitas situações, digamos... interessantes envolvendo escritores. E eu provavelmente fui mais exposta a essas situações devido à minha presença em diversos grupos literários do Facebook, cujos nomes é melhor nem citar aqui (a maioria deles, verdadeiras pérolas). O que todas essas situações têm em comum? Todas mostram autores que não fazem ideia de como lidar com a responsabilidade de ser escritor e que sequer levam seu ofício a sério. Algumas dessas situações são recorrentes demais para serem simplesmente ignoradas e que não devem jamais passar em branco se queremos manter o nosso mercado com um bom nível de profissionais. São situações que farão muitos de vocês se perguntarem como pessoas assim podem existir no mundo da escrita, mas eu garanto que elas existem e não é preciso procurar muito para encontrá-las, infelizmente.


E se você já está pensando em digitar que eu sou apenas uma leitora que deveria calar minha boca, desculpe desapontá-lo, mas já tenho, sim, alguma experiência com escrita criativa por meio de contos publicados na internet, um livro publicado independente e vários outros mantidos na gaveta. Todos os "macetes" que aprendi sobre fazer parte desse meio eu aprendi na base da experiência, cometendo erros e procurando melhorar. No entanto, nem todos os escritores tratam seu ofício com o mesmo respeito e é esse tipo de escritor que vamos dissecar neste (provavelmente) longo artigo em vários tópicos. Apenas lembrando que esse artigo não é sobre tropos ou estilos de escrita, mas sim sobre o comportamento de muitos escritores dessa geração.


Então prepare um lanche e deixe-me guiá-lo por este maravilhoso mundo de vergonha alheia.


1°: O ESCRITOR QUE NÃO LÊ



Vamos começar com um dos mais revoltantes e mais absurdos ao mesmo tempo. Mas antes, me diga: você conhece algum diretor de cinema que tenha dito que não gosta de assistir filmes? Ou um músico que não goste de ouvir música? Ou um cozinheiro que não goste de comer? Pois é. É por isso que, se eu disser a você que existem escritores que adoram falar por aí que não gostam de ler e que (pasmem) não PRECISAM ler para escrever bons livros, é provável que você não acredite em mim, mas é a mais pura verdade e tenha certeza de que vários outros escritores e leitores já testemunharam isso e podem confirmar.


A desculpa mais comumente utilizada pelos escritores que acham que ler é totalmente dispensável para um bom escritor, é a de que "as ideias para estórias podem vir de qualquer mídia; você pode se inspirar lendo um quadrinho, assistindo um filme ou série ou olhando para uma pintura". E é claro que isso é um fato. Porém, o que eles falham em compreender (ou ignoram de propósito) é que um bom livro não é feito simplesmente de uma ideia ou inspiração. Uma narrativa literária possui uma estrutura própria de execução; um livro não conta uma estória com a mesma estrutura usada por um filme ou por um quadrinho. A apresentação de cenário é diferente, o desenvolvimento de personagem é diferente, o ritmo é diferente. Para escrever um livro de qualidade você PRECISA conhecer a estrutura de narrativa dele, e você só vai conhecê-la lendo muito; não existe outro jeito. Se você não gosta de ler... por que quer escrever um livro? Isso sem mencionar que ler amplia seu vocabulário, lhe oferece diferentes pontos de vista em vários assuntos, treina o pensamento crítico e lhe permite adequar melhor seu estilo de narrativa para o gênero que você escreve; tudo o que é necessário para ser um bom escritor. Além disso, ler é um excelente passatempo que todos deveriam ter.


O próprio Stephen King já declarou que "um escritor TEM que ler". Ele é um dos mais populares e influentes autores do mundo, mas acho que ele não sabe do que está falando, não é? Mas tenha cuidado se você precisar explicar isso a um autor como os citados acima! Existe 99% de chances de ele dizer que você está "c*gando regra".


2°: O ESCRITOR PREGUIÇOSO



Aqui vai mais um episódio da série "Isso não é senso comum?" para vocês. Quando um autor escreve um livro sobre qualquer assunto, é de seu interesse (ou pelo menos deveria ser) que o leitor tenha a impressão de que o autor domina aquele assunto. O escritor quer que o leitor pense que ele sabe exatamente do que está falando. Logo, durante a produção de seu livro, o autor faz questão de pesquisar tudo o que puder sobre aquele assunto, sobre o local onde a trama se passa, como se comportam as pessoas que vivem ali, sua cultura, etc. Parece natural, certo?


Não para esses autores! Vai escrever sobre religião? Vá inventando pelo caminho. Personagens? Todos no mundo tem a mesma cultura e agem exatamente como você, não se preocupe. Vai escrever um protagonista do sexo oposto? Não precisa estudar nem observar o comportamento dele, não! Vai escrever uma estória num gênero com o qual você não é familiarizado? Não precisa ler nenhum livro daquele gênero, relaxe.


Em certos livros, você percebe de cara quando o autor sequer se esforçou para fazer os elementos daquela trama parecerem verossímeis, ou quando ele pegou suas informações de fontes obviamente equivocadas. A pesquisa é uma das partes mais importantes do processo de escrita, não é algo opcional. Se você não gosta do processo como um todo e sai simplesmente escolhendo qual partes dele seguir, seu lugar não é na literatura.


3°: O ESCRITOR "MÃO DE PORCELANA"



Houve um fenômeno interessante, há um tempo atrás, em um dos grupos literários dos quais eu fazia parte (antes de eu ser banida de lá por motivos “misteriosos”). Muitos autores começaram a se manifestar, falando sobre a “dificuldade” de escrever quando não se tem um computador ou tablet em casa, e que é “ruim escrever pelo celular”.


A princípio, eu pensei que fosse algum meme, mas infelizmente era bastante real. Então, não pude deixar de me perguntar: “o que aconteceu com o papel e a caneta?”


Com certeza, esse foi um dos momentos em que meu otimismo com relação à literatura nacional diminuiu, porque eu simplesmente não conseguia acreditar que pessoas assim existissem. Por experiência própria, eu posso afirmar que qualquer autor que realmente tem a escrita como vocação, que tem uma ideia de estória na cabeça que fica perturbando para ser escrita, não vai esperar por um computador, tablet ou celular para escrevê-la! Se o que ele tiver em mãos for um lápis e um guardanapo de papel... É O QUE ELE VAI USAR!


Eu comecei a escrever meus contos aos 14 anos nos cadernos que eu usava na escola, passando eles para o computador só quando fosse postá-los na minha página. Eu comecei a escrever meu primeiro romance aos 15 anos, no Ensino Médio, e escrevi ele até o fim durante os intervalos na escola em um caderno, para revisar e editar no computador. Enquanto eu estava na escola, minha mente não parava de pensar na estória e de querer pô-la no papel, então eu mal podia esperar para abrir o caderno nas páginas que eu tinha reservado para o meu livro e começar a escrever até minha mão cansar! Os calos poderiam já fazer parte dos meus dedos, mas esperar até de noite para poder escrever no computador não era uma opção.


O escritor de verdade gosta de escrever. Ponto. Não interessa o meio, ele quer ver as palavras darem vida à estória e aos personagens dele. Se você não quer se dar ao trabalho sequer de usar os meios à sua disposição, isso mostra que você não é tão dedicado ao ofício quanto deveria ser.


4°: O ESCRITOR ALÉRGICO A CRÍTICAS



Este é um clássico! Um dos tipos mais comuns de escritores que não foram feitos para a escrita e que não fazem bem ao nosso mercado.


É aquele escritor que diz que quem não gostou do livro dele é apenas um hater. É aquele escritor que pede (às vezes até por meio de ameaças) para os leitores apagarem resenhas negativas no Skoob ou na Amazon. É aquele escritor que pede para fechar parceria com um resenhista, mas não quer que ele publique a resenha caso ela seja negativa. É aquele escritor que, quando vê uma página criticando seu livro, grita para todos “eles não apoiam a literatura nacional! Vamos derrubar essa página!”


Primeiramente, se você não aguenta ouvir críticas construtivas sobre o seu trabalho, aqui vai uma dica: não publique nada. Ser um escritor publicado é estar sempre sujeito a críticas positivas e negativas. Ao apresentar sua obra para o mundo, você precisa estar preparado para ouvir o que os leitores acham dela; não apenas os elogios, mas também as críticas mais duras. No caso desta última, é ainda mais essencial que você ouça para que possa aprender com ela e melhorar sua escrita. É normal que você não tenha notado algum tipo de erro em seu livro enquanto escrevia; acontece! Somos humanos e falhos. O que você não deve fazer como escritor é deliberadamente ignorar as críticas negativas e fingir que todos estão errados e você, certo. Aprender com as críticas é uma das partes essenciais de ser um autor. Esteja aberto para elas e estará no caminho certo.


5°: O ESCRITOR "PATRIOTA"



Se você estiver lendo algum livro de um autor internacional perto desse tipo de escritor, pode se preparar, pois ele está prestes a tecer uma cadeia de pensamentos ilógicos sobre como você é uma pessoa alienada que não valoriza a própria cultura. Para ele, se você está lendo um autor estrangeiro, mesmo que leia bastante nacionais, você não presta.


É verdade que as livrarias mais famosas são 60% feitas de livros internacionais, e que já são sucesso em seus próprios países. Mas reclamar de quem lê esses livros não vai ajudar em nada a nossa literatura. A pessoa vai ler um livro pelo qual ela se interesse, sendo ele nacional ou não. Algo que iria realmente ajudar nossa literatura seria um maior compromisso dos nossos autores com a qualidade de seus livros e um maior respeito por parte deles à literatura (o tema desse artigo, olha só). O comportamento competitivo e mesquinho de muitos dos escritores nacionais e seu desrespeito com o processo de escrita é o que realmente afasta os leitores dos quais precisamos. Passem menos tempo reclamando de coisas sem sentido e mais tempo trabalhando em suas carreiras.


6°: O ESCRITOR (E LEITOR) "PROTETOR DA LITERATURA NACIONAL"



Vamos falar agora daqueles que tomaram para si o título de “babás da literatura nacional”, embora eles talvez concordassem mais com o termo “protetores”. A verdade é que eles mais parecem babás mesmo, já que procuram proteger a literatura nacional de tudo e de todos, inclusive das críticas que a fariam evoluir.


Na mente deles, se você criticar negativamente um livro nacional, mesmo com todos os argumentos a seu favor, você não apoia o autor nacional e quer destruir a nossa literatura. Parece o pensamento de uma criança, não é mesmo? Aparentemente, é isso que a literatura nacional é para eles, uma criança. Tão frágil, que uma resenha negativa pode destruí-la por completo.


O fato é que, se você não critica um autor nacional, você está deixando implícito que ele não precisa se esforçar para escrever algo de qualidade. E se nossos autores não se esforçarem para manter a qualidade, adivinha quais livros vão receber mais atenção? Isso mesmo, os estrangeiros.


7°: O ESCRITOR QUE NÃO RESPEITA O RESENHISTA



Eu e vários outros resenhistas já tivemos experiência com aquele escritor que acha um absurdo ter que pagar por uma resenha/divulgação. Não só ele acha que, já que ele mandou o livro dele de graça para você, é um absurdo que ele pague, mas ele também acha que, se ele pagou, você é obrigado a falar bem do livro dele.


Muitos não entendem que fazer resenhas é um trabalho como qualquer outro. Para alguns pode ser apenas um hobby, e não há problema algum com isso, mas para outros é uma fonte de renda. Eles também têm contas para pagar. Quando você vai fazer uma parceria com um resenhista, você deve seguir os termos DELE, não os seus. Se você é esse tipo de escritor, vou lhe explicar por que você paga um resenhista: porque ele vai dedicar um tempo do dia dele para ler o seu livro, e dependendo do tamanho do livro pode ser bastante tempo, e então, quando terminar, ele vai dedicar mais uma parte do tempo dele para escrever a resenha, ou, no caso de um Booktuber, para gravar um vídeo (que é bem mais trabalhoso que a resenha escrita), para depois divulgar seu livro nas redes sociais e apresentá-lo ao público dele (dependendo do tamanho do público, o tempo do resenhista é ainda mais valioso). Você tem que estar disposto a investir na sua carreira, se quiser que ela cresça, e parcerias são um ótimo meio para isso.


Além disso, como o próprio nome já diz, você está numa parceria com o resenhista, ou seja, ele ajuda você e você ajuda ele. Quando ele postar a resenha do seu livro, compartilhe para o seu próprio público, divulgue o blog ou canal. Será benéfico para ambos.


8°: O ESCRITOR INCONVENIENTE



Esse é aquele escritor que aparece nas suas DMs ou no seu inbox para divulgar o livro dele e lhe convidando para dar uma olhada nele. Até aí, não há problema nenhum. O problema aparece quando o escritor lhe manda mensagens CONSTANTEMENTE, lhe pressionando a comprar o livro dele de todas as formas possíveis.


Não importa se vocês são amigos ou se você nunca viu ele na vida. Ele vai ficar lá, quebrando todas as possíveis regras de senso comum, até você perder a paciência e ele poder dizer que foi VOCÊ que foi grosseiro com ele.


A divulgação do seu trabalho é, sem dúvidas, a parte mais complicada, por isso deve ser feita com uma boa dose de bom senso. Não saia enchendo os grupos literários e os perfis dos seus amigos com propagandas do seu livro todos os dias. Elabore um plano de divulgação, crie uma página ou perfil oficial para o seu livro ou para você mesmo, comece a formar um público com um blog ou canal, faça promoções e sorteios, e molde o seu marketing de forma que você atinja o público-alvo do seu livro. Passar o dia inteiro atormentando as pessoas só vai afastá-las ainda mais do seu livro.


9°: O ESCRITOR QUE ESCREVE POR "MODINHA"



Finalmente, chegamos ao último tópico e um dos mais importantes. Este é o escritor que escreve simplesmente porque “vi um monte de gente fazendo, quero fazer também”. Isso se deve bastante ao fato de que, hoje em dia, os autores se tornaram um tipo de rockstar por conta da popularidade atraída por algumas distopias e fantasias infanto-juvenis, e a profissão de escritor está mais glamurizada do que nunca.


O lado bom disso é que mais pessoas de várias faixas-etárias são atraídas para a literatura, e quanto mais leitores, melhor para o escritor. O lado ruim é que isso atrai também muitos escritores que não tem paixão e comprometimento suficientes com a escrita, comprometendo a qualidade do nosso mercado. Ou seja, o escritor que escreve por modinha nada mais é, muitas das vezes, uma combinação de todos ou quase todos os tipos de escritores citados acima.


CONCLUSÃO:



Ser escritor não é fácil. São muitas horas de pesquisa, escrita, edição, revisão, bloqueio criativo, busca por uma editora (e muita paciência para esperar) e uma luta diária por um lugar ao sol. Se você escolhe a publicação independente, é muitas vezes mais difícil, porque você está literalmente sozinho; você não tem uma editora que forneça um diagramador, um capista, que mande para a gráfica, que divulgue e que venda o livro para você. É você o responsável por todos esses aspectos.


Apenas uma pequena parcela de nós realiza o sonho de viver da escrita, e uma parcela ainda menor tem algum best-seller no currículo. Ter o primeiro livro como best-seller? Quase uma utopia!


É por conta de tudo isso que você tem que amar ser escritor, para ser capaz de não desistir mesmo com todas essas dificuldades; por amar contar estórias. A literatura existe para nos fazer pensar, sentir, questionar, debater, para nos mostrar situações através do olhar de outro e abrir nossas mentes para o mundo ao nosso redor. E é por isso que ela precisa de escritores que cuidem dela como ela merece, e que não diminuam o seu valor.

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