top of page

O ESCUDO DO SENHOR, por BEATRIZ C. CAVALCANTE

Gênero: Fantasia/Jovem-adulto

Editora: PenDragon


SINOPSE: "Estaria disposto a acreditar no que julgava ser impossível? Desde a criação do universo, Rhaziel sonhava em ser apenas um mero anjo da guarda. E quando seu desejo é atendido, ele descobre que Haniel, seu irmão, é mantido sob cativeiro pelos demônios, enquanto os mesmos tramam obter o cajado que atribui a verdade absoluta ao portador, e consequentemente a fraqueza do céu. Mesmo que o medo assole os corações dos anjos, Rhaziel, com seu espírito de aventura ardendo em chamas e seu caráter completamente possuído pelo altruísmo, se oferece para resgatar Haniel, ao mesmo tempo que iniciará a busca pelo humano que deverá proteger. Mas ele não estará sozinho. Juntamente com Kenael, outro de seus irmãos, Rhaziel iniciará uma aventura turbulenta, onde humanos e anjos estarão mais próximos do que nunca. E o tempo não será um obstáculo. Você seria audacioso e imprudente ao ponto de salvar aqueles que ama? Lute pela verdade, lute pela luz."


Eu não poderia prever o tempo que levaria para conseguir trazer a resenha desse livro, quando a autora fechou a parceria comigo e me entregou sua obra. Julguei que seria um livro rápido, me baseando em suas 284 páginas, e fácil, já que fantasia é um gênero que me agrada muito. Entretanto, essas não só foram as 284 páginas mais longas da minha vida, como também me deixaram sem saber por onde começar essa resenha. Você já nota desde o início que é uma história feita para funcionar com o público adolescente/jovem adulto. Isso fica bem evidente pela estrutura da história e pelos tipos de personagem. Então, se você não gosta muito desse gênero ou não faz parte dessa faixa etária, você provavelmente vai perder o interesse bem rápido na história. Eu, pessoalmente, não consegui mergulhar muito na trama, mas isso se deve bem pouco ao fato de ser uma fórmula que não me atrai, e mais à inegável pobreza na escrita. Com relação à trama, o conceito geral da história é interessante, mas nela temos um aglomerado de clichés e tropos usados à exaustão em todas as mídias. O "romance proibido" entre Rhaziel e sua protegida, Anne, que pode ser profetizado desde o primeiro momento em que os personagens interagem, e a presença da "rival" de Anne na faculdade, que só aparece para fazer comentários maldosos como uma aluna de ensino médio, são uma parte bem pequena dos inúmeros exemplos encontrados. O cliché em si, é claro, não é um problema de maneira nenhuma, mas quando bem utilizado. A grande maioria das reviravoltas são previsíveis, devido à história ser movida pelas motivações óbvias e rasas dos personagens.


fonte: Kim Jaejoong


Porém, o mais notável sobre a trama é o quão repleta ela é de furos, e o quão vítima ela é de uma mitologia mal desenvolvida e confusa. Esses eram fatores que (além dos outros tantos erros) quebravam constantemente minha imersão na história, e me deixaram com muitas perguntas (só citarei aqui as isentas de spoilers). Se não havia nenhum anjo no céu, por que não mandar Kenael à procura de Haniel? Ele precisava acompanhar Rhaziel? E no que exatamente consistem as missões que deixam os anjos sempre muito ocupados? Se Haryel enfatiza tanto que eles devem manter a discrição, por que não orienta Rhaziel a trocar suas roupas do século XVIII por roupas atuais, e por que não o instrui sobre o mundo atual dos humanos para que ele invente um disfarce? Que curso de universidade é esse que só tem um professor e uma matéria? E que professor de universidade é esse que para a aula para esperar os alunos acabarem de conversar? Como Lúcifer, que passou todos esses séculos dentro de uma cela, sabe muito mais sobre o mundo dos humanos do que os anjos que podem ir e vir quando quiserem? Faltou melhor desenvolvimento do universo fictício e bastante conhecimento do nosso próprio mundo para que o livro ficasse ao menos razoável. E sempre que a trama pula para um período histórico (aqui, o século XVIII é usado duas vezes), uma pesquisa um tanto preguiçosa também pode ser notada, como nos piratas demasiadamente gentis, na insinuação de que não havia mais piratas em nenhum outro lugar do mundo além de Nassau, e na contradição na corte do Palácio de Versalhes. A presença de um símbolo como um pentagrama na capa de um livro sobre invocações, localizado na biblioteca angelical, também mostra desconhecimento da simbologia do próprio tema principal abordado pela autora. Os personagens são outra questão complicada. Entre os anjos, Kenael é aquele que apresenta uma personalidade mais cheia de nuances (ainda que sejam poucas), mas Rhaziel é um protagonista genérico e esquecível, tanto como "humano" (primeiros capítulos) quanto como anjo. Dentre os humanos, Anne se destaca não só por ser o interesse romântico do protagonista, mas também por ter sido criada com o óbvio propósito de ser o oposto da personagem feminina clássica: uma jovem corajosa, moderna, independente e de personalidade forte. No entanto, sua "determinação" é representada como simples teimosia, e nos momentos em que ela tenta se impor para mostrar sua "personalidade forte", ela acaba sendo irritante e passando a impressão de mimada; e até mesmo nos momentos em que ela tenta ser "descontraída", fazendo piadas ruins com pessoas que ela acabou de conhecer, ela deixa o leitor desconfortável. Além disso, a revelação final sobre Stephen, o único personagem que parecia crível e que era capaz de conquistar uma simpatia genuína por parte do leitor, faz seu desenvolvimento como personagem cair por terra. Outro ponto sobre personagens, que é algo comum nesse tipo de literatura, é que nas descrições físicas deles vemos que todos são "lindos": penteados perfeitos, barbas perfeitas, rostos perfeitos, roupas bonitas e físico perfeito, com algumas ressalvas, como o velho Edward, e, além disso, são todos sempre muito gentis. Demônios saindo de seus receptáculos humanos na forma de uma fumaça negra e um uso totalmente amador do Rituale Romanum de exorcismo, entre outros elementos, sugerem uma grande e óbvia influência da série Sobrenatural.


fonte: Sobrenatural

Algo que também me incomodou é que Rhaziel e Kenael ficaram parecendo os piores soldados do mundo. Para seres que deveriam ser o equivalente a guerreiros estrategistas, ambos deixam muito a desejar. Eles partem numa missão sem planejamento nenhum, sem disfarce, e ao mesmo tempo em que dizem toda hora que não devem ser descobertos, eles não fazem qualquer esforço para isso. Eles se expõem a todo momento sem necessidade, como quando eles se teletransportam na companhia de um ser humano, dando a desculpa de que ele "se distraiu e não percebeu o tempo passar" (o fato de Stephen ser cego não é justificativa, ele ainda é capaz de suspeitar de que há algo errado), ao invés de aguentarem uma caminhada de apenas uma hora para não levantar suspeitas. E eles fazem isso novamente no prédio de Anne. Eles se teletransportam a todo momento e apagam as memórias dos humanos com a mesma frequência em ocasiões desnecessárias... e não fazem nem um, nem outro quando realmente se precisa. Todos ali tomam decisões ilógicas, e justificam essas decisões de maneira ainda menos lógica, o que deixa o leitor incapaz de simpatizar com qualquer um dos protagonistas. E outra coisa que também não ajudou foram os diálogos, já que achei a maioria deles muito bobos e artificiais. São ditas frases que ficariam boas como pensamento ou narração, mas em falas ficam artificiais e forçadas demais. Os personagens não agem de maneira natural, como Rhaziel e Haryel rindo sempre que Kenael abre a boca (o que é especialmente irritante). As descrições e reações são ridiculamente exageradas, e aquelas que deveriam ser exageradas não são. Alguns momentos são nitidamente inspirados em maneirismos de anime, e facilmente identificáveis por quem está acostumado a consumir essa mídia. Frases feitas usadas incontáveis vezes em outras obras também são encontradas em abundância nesse setor. Um exemplo seria a famosa "As pessoas só morrem, quando são esquecidas. Os seus pais vivem, mas aqui — Rhaziel colocou a mão sobre o peito." O final não foi tão previsível quanto poderia ser. Ainda assim, o passado "misterioso" dos pais de Anne pode ser previsto com bastante antecedência na história. A escrita é bastante imatura e repetitiva em vários sentidos. Algumas frases da narração são construídas de maneira bem estranha, um ponto que, combinado a outros que vou citar mais para frente, passam ao leitor a impressão de que o nível de leitura da autora é menos que baixo. O vocabulário pobre pôde ser notado em cada parágrafo de cada capítulo, em palavras iguais se repetindo em um curto período de tempo, com destaque para o uso exagerado (e 99% das vezes equivocado) da palavra "gargalhar", ao invés de "rir", para o uso da expressão "como se fossem saltar para fora" sempre que alguém é descrito com os olhos arregalados, e para o mais que incômodo uso da expressão "entre gaguejas" ao invés de "gaguejar". Outro ponto que denuncia o baixo nível de leitura é a opção que a autora fez de escrever o narrador dizendo que certo personagem enfatizou certa palavra, quando ela pode economizar palavras e melhorar o texto deixando a palavra enfatizada em itálico ou em caixa alta. Sem falar no momento em que as palavras "lhe dar" são usadas no lugar de "lidar", e nas centenas de vírgulas completamente mal-empregadas. A concordância também não escapa da sucessão de erros. A partir dos 40% do livro, nota-se que ela começa uma descida desenfreada, e leva algum tempo para que volte a se estabilizar. Um dos momentos mais memoráveis é a frase "Eu sou ateu!", dita e repetida pela personagem Lauren, melhor amiga de Anne. Coisas consideradas senso comum, como escrever a palavra Bíblia com letra maiúscula, ainda mais em um livro que fala sobre mitologia cristã, também são negligenciadas. Se você não costuma ler muito, talvez consiga se divertir com o livro. Na minha opinião, para quem está acostumado a ler, é muito difícil de realmente se engajar na leitura ou levá-la a sério. A não ser, talvez, como eu disse antes, que você goste desse gênero e estrutura em específico. E depois de tantos erros citados (e da maioria que ficou de fora para não aborrecer você, leitor), não pude deixar de classificar a revisão do livro como demasiadamente negligente. Esta primeira edição do livro pela PenDragon é um bom exemplo de como não publicar um livro que leva o selo de uma editora, ainda mais de uma tão bem falada pela geração atual de escritores brasileiros como a PenDragon. Todo o esforço empregado na diagramação extravagante e na capa um tanto genérica, mas atraente, apenas mascara o miolo que se parece mais com um 1° rascunho, do que com um original finalizado que passou por um processo editorial completo. Me chocou imensamente ver um desleixo tão grande com a revisão de um livro publicado por uma editora com tal nome no mercado literário atual. E é esse tipo de desleixo que leva, não só o nome do(a) autor(a), mas também a literatura nacional atual ao descrédito por parte dos próprios leitores brasileiros. É o primeiro livro da PenDragon que li e, depois de ver essa negligência com a revisão e a falta até mesmo de algo tão básico como um índice/sumário, eu pensaria várias vezes, não só antes de ler outro livro da empresa, mas também antes de publicar meu livro com eles. Algo que a autora disse nos Agradecimentos do livro, me chamou a atenção. "Também gostaria de agradecer a minha tia Ivani, uma das minhas grandes incentivadoras. Se não fosse pelos seus: 'Já terminou o livro?', a história teria um ritmo lento de criação." Com isso, finalizo essa resenha dizendo que um ritmo "lento" de criação é também um ritmo cuidadoso, e é essa abordagem que eu aconselho a autora a tomar em suas próximas obras: atenção, cuidado e calma.


bottom of page