O elitismo na comunidade literária nacional
fonte Write Your Memoir in Six Months.
Essa semana, uma nova controvérsia no cenário literário nacional (como se já não tivéssemos o suficiente delas) causou alvoroço nas redes sociais. No centro dessa controvérsia, está a autora e Booktuber Camila Deus Dará, que foi alvo de críticas e ofensas após declarar em um de seus vídeos que o preço do cinema está "muito acessível".
A palavra "elitismo" já estava de volta na boca da comunidade literária do Facebook essa semana, após um editor postar em um grupo uma declaração dizendo que os livros de fantasia não deveriam baixar de preço, já que ele não conhecia nenhum leitor de fantasia com baixa renda, e já que as editoras não lucrariam com isso. Dias depois, a página chamada Todo Dia Um Escritor Diferente Passando Vergonha (também situada no Facebook e tanto amada quanto odiada em meio à comunidade literária), que foi a responsável por divulgar os prints da postagem do editor, postou o trecho de um vídeo (que foi apagado da página por conta de comentários machistas) que deixou a discussão sobre elitismo ainda mais acalorada.
No trecho citado, a autora e Booktuber Camila Deus Dará aparece alegando que frequenta o cinema pela parte da tarde, quando as salas estão mais vazias, porque, segundo ela, nos cinemas do mundo inteiro "ninguém respeita mais". Ela diz então que no teatro há mais respeito porque as entradas são mais caras, e que "acho que cinema deveria ter um preço mais alto, sim, porque tá muito acessível". "A pessoa quando vai pagar pouco, ela não se importa de ir pra bagunçar", ela continua, seguido de "tá muito horrível o nível do cinema".
O trecho foi retirado do vídeo "Resenha Filme: Cinquenta Tons de Cinza", publicado no canal da própria Camila Deus Dará, no qual ela dá sua opinião sobre a adaptação cinematográfica do livro Cinquenta Tons de Cinza. Embora o vídeo tenha sido publicado em 19 de fevereiro de 2015, esse trecho (próximo ao fim do vídeo) só recebeu atenção massiva esse mês. E com essa atenção, a sessão de comentários do vídeo, que antes possuía apenas comentários dos fãs do canal, elogiando a espontaneidade e descontração do vídeo, foi rapidamente tomada por críticas duras à opinião da autora.
imagem do vídeo Resenha Filme: Cinquenta Tons de Cinza.
A missão da Todo Dia Um Escritor Diferente Passando Vergonha (ou TDUEDPV) é publicar prints, fornecidos, muitas vezes, pelos próprios seguidores da página, de trechos mal escritos (tanto em técnica quanto em ortografia) ou engraçados de livros nacionais, internacionais e fanfics, sem fornecer o nome da obra ou do autor, além de também postar prints de postagens engraçadas ou ridículas em redes sociais (como no caso do editor), de grupos literários e qualquer outro tipo de "denúncia" relacionada a literatura. Seguindo seu próprio modus operandi, a TDUEDPV publicou o trecho do vídeo sem citar o nome do mesmo, ou da autora, mas eu, como muitos outros, que já a conhecia previamente, a reconheci sem dificuldade.
Eu conheci o canal dela há pouco mais de um ano e fui inscrita dela por algum tempo. Assisti muitos dos vídeos dela, inclusive os antigos, mas, por incrível que pareça, nunca havia assistido o vídeo em questão. Talvez isso se deva ao fato de que, nessa época, Cinquenta Tons de Cinza ser ruim já era um fato tão conhecido e batido, que eu devo ter pensado "só mais um vídeo falando mal de Cinquenta Tons de Cinza, nada de novo aqui" e passei para o próximo. Ela foi a única Booktuber que eu realmente assisti por um tempo; achava que as resenhas dela eram interessantes e bem estruturadas, diferente de resenhas "enrolação" de Booktubers mais famosos, como a Tatiana Feltrin, por exemplo, que eu particularmente não acho que tenha qualidade. Acompanhei os vídeos em que ela falava sobre o processo criativo dos livros dela, mesmo que nenhum deles fossem livros que eu pretendesse ler um dia, já que são todos do gênero infanto-juvenil e chicklit. A admirava pela iniciativa de ajudar autores iniciantes, com boas dicas de escrita e dando espaço para eles apresentarem suas obras em seus vlogs na Bienal. Eu fazia também parte do grupo literário que ela criou no Facebook, chamado Sociedade Secreta dos Escritores Vivos (uma das várias fontes de prints da TDUEDPV, por sinal), que ela frequentemente citava em seus vídeos como "um dos poucos grupos de literatura que realmente funcionam", devido às suas regras que evitavam o spam de autores fazendo propaganda de si mesmos e incentivava a interação.
Foi aí que as coisas ficaram... estranhas. Assim como eu era inscrita de Camila Deus Dará, eu também já era seguidora assídua da TDUEDPV, como sou até hoje. Apesar de todas as ameaças de processo de autores que tiveram seus egos justamente feridos pela página, e até mesmo de conspirações para derrubá-la, a TDUEDPV segue firme e forte, nos proporcionando boas risadas e expondo os escritores negligentes com sua arte. Foi em uma das postagens da página, que eu soube de uma publicação da autora em seu grupo literário, dizendo que os administradores, por trabalharem tão duro, mereciam privilégios e poderiam quebrar as regras do grupo. A primeira vez em que eu torci a boca.
Algumas semanas depois, através de amigos que também faziam parte do grupo, eu soube que um fenômeno um tanto estranho estava acontecendo por lá: todos os membros que curtiam a TDUEDPV estavam sendo banidos, mesmo sem violar qualquer regra do grupo. Eu fiquei fora do radar por um tempo, mas logo fui banida também. A essa altura, algumas declarações da autora e o fato de o conteúdo do canal da mesma já me parecer desinteressante, me levaram a cancelar minha inscrição. O que nos leva ao presente momento.
Se olharmos com calma, percebemos que a declaração da autora não só é extremamente elitista, de propósito ou não, mas também não é fruto de qualquer linha lógica de raciocínio. Dizer que uma pessoa com alto poder aquisitivo automaticamente se comporta melhor do que uma com baixo poder aquisitivo é pura e simples ignorância. Sim, é verdade, damos mais valor a algo quando pagamos mais por isso, mas isso depende MUITO da personalidade e criação de cada um. Se seus pais lhe ensinaram a valorizar seu dinheiro, ótimo, mas não quer dizer que outros pais tenham feito o mesmo com seus filhos, independentemente de serem ricos ou pobres. Aumentar o valor das entradas de cinema e dificultar ainda mais o acesso à cultura (que já não é fácil) é um retrocesso inegável que já está acontecendo e que não vai aumentar o "nível" do cinema.
Tudo no nosso país já tem um preço tão absurdo, sendo os livros um dos produtos mais afetados, que chega a ser difícil não só de entender opiniões como essa, mas também de lhe atribuir qualquer outro princípio que não seja o elitismo. Eu não sou, de jeito nenhum, adepta da cultura do "mimimi", mas dessa vez, querida Camila, não tem como te ajudar.
Infelizmente, autores com esse e outros tipos de mentalidades sem sentido (como os adeptos do "não precisa ler para escrever") são abundantes nessa geração literária, e me desencorajaram a interagir mais ativamente com essa comunidade, com exceção dos poucos amigos que fiz nela. Antes de dizer por aí que a TDUEDPV está denegrindo a imagem de autores, saiba que são eles que estão denegrindo sua própria imagem.