O PISTOLEIRO, por STEPHEN KING + CRÍTICA DO FILME "A TORRE NEGRA"
- Mayara Albuquerque
- 15 de ago. de 2018
- 7 min de leitura

Gênero: Fantasia/Ficção científica
Editora: Suma de Letras
SINOPSE:
"O primeiro livro da saga A Torre Negra, O Pistoleiro, conta sobre a perseguição de Roland Deschain ao misterioso homem de preto, e o início de sua jornada rumo à mítica Torre Negra."
Este é o livro que dá início à saga de A Torre Negra, que levou 33 anos para ser concluída. Ela é tida popularmente como uma saga de fantasia, mas ela mistura muitos elementos de suspense, terror e principalmente ficção científica. O Pistoleiro conta a história de Roland de Gilead, o último de uma ordem de pistoleiros, condenado a vagar por um mundo pós-apocalíptico em busca de um lugar lendário, conhecido como a Torre Negra, que controla todo o tempo e todo o espaço.

Nesse volume, Roland Deschain é o protagonista. Nele, acompanhamos sua perseguição ao enigmático "homem de preto" pelo deserto, e esse é só o primeiro passo em sua jornada rumo à Torre. As inspirações dessa saga são a Terra-Média, criada por J.R.R. Tolkien para os seus livros, o poema épico do século XIX chamado Childe Roland À Torre Negra Chegou, escrito por Robert Browning, e é cheia de referências à cultura pop, às lendas arturianas e é tomada pelo clima de faroeste.
Essa edição da Suma de Letras foi lançada em 2004 e é muito bonita, com uma diagramação simples e eficiente, e o texto foi muito bem revisado. Sem falar na capa linda que se assemelha à capa de uma história em quadrinhos.
Quanto à trama e ao desenvolvimento da narrativa em geral, é claro que Stephen King sabe lidar muito bem com isso. O conceito é extremamente criativo; a premissa de múltiplos mundos, embora ele ainda não o explore muito nesse livro, assim como o conceito dos pistoleiros, da sociedade onde Roland vivia antes e de como o mundo dele ficou depois da guerra que ele menciona, que teria sido a causa da queda daquela sociedade, deixam esse universo rico e intrigante.
A narrativa em si é dinâmica, confortável de ler, bem característica de King, mas ainda assim tem várias nuances que você tem que estar atento para perceber. Os cenários são descritos com muito cuidado, principalmente o deserto e as pessoas que vivem (ou sobrevivem) nele. O leitor consegue sentir que aquele é um lugar totalmente desolado, de estética desagradável, e consegue sentir a dificuldade tanto do Roland como viajante, quanto das pessoas que ele encontra por lá.
O protagonista é bem desenvolvido e longe do cliché. Gostei do fato de que a história dele não foi apresentada de uma vez só, logo no início, mas sim em pequenas partes ao longo do livro. E ainda assim, quando você chega no final, a história dele não foi completamente contada, o que eu acredito que vá acontecer nos próximos livros. Os personagens secundários, até mesmo aqueles que só aparecem por uma ou duas páginas, são bem reais, e o autor consegue dizer exatamente quem eles são só com uma linha de texto. O próprio homem de preto, que seria o antagonista, tem uma personalidade muito marcante, mas o leitor aprende bem pouco sobre ele. O que descobrimos nesse volume é que ele é um tipo de feiticeiro, um ser muito poderoso, e que Roland quer se vingar dele por algo do passado.
O personagem do Jake, que é um garoto que o pistoleiro encontra pelo caminho, também é carismático, embora não tenha um papel muito grande na trama. Ele veio do nosso mundo, mais precisamente de Nova York, e foi levado ao Mundo-Médio pelo homem de preto, depois de morrer atropelado em seu mundo de origem. Durante o tempo em que ele passa com o pistoleiro, os dois criam um certo vínculo de amizade, que serviu para mostrar um lado um pouco mais terno do Roland, que até aquele momento da história aparecia sempre bem sério e frio, concentrado apenas em encontrar o homem de preto e sobreviver ao deserto.
A história é bastante intrigante, mas vocês devem ter percebido, logo no início da minha explicação, que eu usei bastante a palavra "conceito" e disse que o livro "menciona" algumas coisas. Pois bem, esse foi um ponto do livro que eu achei complicado. Alguns pontos da mitologia que King criou para essa saga ficaram um pouco obscuros. Eu acredito que esses aspectos vão ser explicados no futuro, "como o que exatamente faziam os pistoleiros?", "como se deu a queda deles?" e "o que exatamente foi essa guerra?" Sabemos que, de alguma forma, ela foi causada pelo homem de preto, que também é chamado de Walter, mas não passa disso.
Outro exemplo são os Vagos Mutantes. Eles são criaturas humanóides, descritos como tendo um tipo de pele fosforescente, um comportamento semelhante ao de um zumbi, como se já houvessem sido humanos no passado, mas não é explicado como eles ficaram daquele jeito. Também sabemos, obviamente, que Roland está buscando a Torre, mas não é explicado por que ele tem tanta urgência em encontrá-la, tampouco como ele soube de sua existência.
Ainda que o autor preencha essas lacunas mais adiante na saga, essa não é uma decisão que me agrade muito, particularmente, de deixar pontos tão vitais na trama de forma tão vaga, porque isso deixa as regras do universo criado por ele incertas, prejudicando assim a imersão do leitor na parte mais importante da série: o início, embora a razão para isso tenha sido esclarecida pelo próprio King. Para ele, A Torre Negra não é uma saga ou série, mas sim um grande romance dividido em várias partes. Levando isso em consideração, é fácil de concluir que O Pistoleiro nada mais é do que um prólogo gigante de um romance gigante. A estrutura dele tem tudo a ver com a de um prólogo, se pararmos para pensar. No prólogo, o autor apresenta uma situação importante em sua história (geralmente o evento que desencadeia os acontecimentos da trama) sem dar muito contexto do que está acontecendo, para mais tarde, durante o desenrolar da história, explicar por que aquilo aconteceu, quem exatamente eram as pessoas envolvidas, etc. Eu acredito que essa seja a explicação que mais faça sentido. Alguns podem argumentar que isso se deva ao fato de King ser muito novo na época em que escreveu O Pistoleiro, que ele não tinha muita experiência ou que ele talvez não soubesse ainda o que ia fazer com a série. Porém, ele chegou a revisar o livro em 2003, ajustando o texto para que se adequasse ao resto da saga, então acredito que, nessa versão atual do texto, esses fatores não se apliquem.
Algumas coisas que também notei nessa edição foram alguns erros pontuais na diagramação e na ortografia, apesar de ser uma edição muito bem revisada, além de um uso estranho do "aí" ao invés de "então" no início de uma linha de um parágrafo. Não sei se foi um erro na tradução, mas achei bastante estranho, considerando que foi parte da fala do narrador, onde a linguagem é geralmente formal. No geral, entretanto, essas coisas não me frustraram ao ponto de me fazerem não gostar do livro. Não foi, em nenhum momento, uma leitura maçante ou arrastada, e me deixou curiosa para ler o resto da saga, para saber onde e como a jornada do Roland vai terminar, e para saber mais sobre o Mundo-Médio.
ADAPTAÇÕES:
Houve um projeto da Universal Pictures e da NBC, de 2010, para fazer uma série de televisão de A Torre Negra, mas o projeto foi descartado por ser inviável, na época.
Foi lançada também uma versão da série em quadrinhos pela Marvel Comics, em 2007, sendo trazida para o Brasil pela Panini Comics.

E é claro que eu não poderia deixar de falar do filme A Torre Negra, que estreou em 2017, no dia 24 de agosto, no Brasil, com o ator Idris Elba no papel do pistoleiro, e com Matthew McConaughey como o homem de preto.

pôster do filme A Torre Negra.
Do ponto de vista técnico, é um filme bem feito; bons efeitos visuais, fotografia competente, não chegou a ser arrastado demais, os diálogos são razoáveis e a maioria dos atores estão bem em seus papéis. No entanto, como uma adaptação, ele falha e falha MUITO, na minha opinião. O primeiro erro que eu acredito ser importante ressaltar, é que o filme não tem o objetivo de apresentar o início da série, mas sim a série INTEIRA. Os cineastas tomaram a decisão de comprimir toda a saga de A Torre Negra (que é enorme) em um único filme de uma hora e meia. O resultado disso é que muitas informações são jogadas em quem está assistindo e a grande maioria delas não é desenvolvida. Muito da mitologia se perdeu, assim como muito do desenvolvimento dos personagens que interessam, como o próprio Roland.
Logo no início do filme, quem leu pelo menos o primeiro livro já sente o impacto quando percebe que o protagonista escolhido para o filme é na verdade o Jake, que é um dos menores personagens do primeiro livro. Toda uma história foi criada para ele, como o cliché do garoto que sofre bullying do valentão da escola, o cliché da morte do pai biológico e do padrasto chato, e o cliché de o garoto ser "o escolhido" (um tropo que me desagrada bastante), devido a um tipo de mediunidade que nunca é atribuída a ele no livro. Sobre o próprio Roland, que é de longe o protagonista do primeiro livro, praticamente nada é explicado. É bem óbvio que o estúdio tomou essa decisão para que o filme dialogasse com um público mais jovem, o que, para mim, foi algo totalmente desnecessário e uma descaracterização desrespeitosa com a maior obra de um dos autores mais cultuados do nosso tempo.
Sobre a guerra que eu mencionei quando estava falando do livro, coincidência ou não, ela também não é explicada no filme, e você fica sem saber por que o Mundo-Médio ficou desolado. No primeiro livro, o leitor já se depara com algumas criaturas às quais Roland se refere como demônios que, como era de se esperar, eles não possuem forma física ou definida, sendo algo mais abstrato como uma presença, ou uma voz com consciência que conversa com o pistoleiro. Já no filme, eles são bastante simplificados, sendo representados como monstros quadrúpedes e irracionais.
Tanto Rolando como o homem de preto foram bem representados em personalidade, na medida do possível, com a diferença de que a caracterização física do pistoleiro, em termos de figurino e maquiagem, ficou bem feita, enquanto o homem de preto ficou com um visual moderno demais tanto pro mundo onde ele vive, quanto para a forma como ele é descrito no livro. Lá, ele aparece usando uma túnica e capuz pretos, o que faz o leitor relacionar ele muito mais facilmente à figura de um mago ou feiticeiro.

Apesar de ainda haver muitos pontos a debater, o filme A Torre Negra não é tão terrível quanto se diz na maioria das críticas. Mas se você não leu os livros, com certeza vai ter uma experiência muito melhor com o filme em relação àqueles que leram.
No geral, O Pistoleiro, apesar de não entregar uma história fechada e nos deixar com mais perguntas que respostas, entrega um ponto de partida satisfatório para o resto da saga, e ainda é capaz de segurar o nome de Stephen King em um patamar alto.
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